

por Patrícia Konder Lins e Silva
2018
O ciclone provocado pelas tecnologias digitais não para de revirar nossas vidas e de diluir os fundamentos em que ancorávamos nossa visão de mundo. Estamos atrás de novas categorias conceituais para interpretar essa realidade singular e para explicar o processo de metamorfose em que o mundo se encontra. Metamorfose remete à transformação da lagarta em borboleta, o que significa que sobre uma estrutura total existente desenvolve-se outra completamente diferente.
Tudo mudou, e o que ainda não mudou radicalmente – a escola, por exemplo – sabe que precisa mudar para fazer sentido na nova realidade. Até aqui, a sociedade atribuiu à escola a tarefa de transmitir seus mores para os mais jovens, numa função conservadora que permitia alguma inovação para assegurar que o grupo não se estiolasse. Mas, diante da continuidade e intensidade das transformações, cabe pensar quais são as aprendizagens necessárias para a vida na era digital.
As novas gerações não conheceram o mundo sem computadores e sem conexão e é na tela do celular – de que não se separam – que se relacionam com a realidade. Criados imersos em bits e bytes, os alunos encontram computadores e tecnologias digitais na escola, mas o ambiente de aprendizagem ainda é analógico. Aprender do mais fácil para o mais difícil, do simples para o complexo, a cada ano um conteúdo, é o modo típico de abordagem de conhecimento de uma escola pré-digital. É um modo lento para quem sabe acessar de qualquer lugar e imediatamente informações e conteúdos, para quem se arrisca a abordar os assuntos de qualquer ponto sem pensar em facilidade. Quando o acesso à informação traz tudo trans, multi e interdisciplinarmente, a divisão arbitrária dos conhecimentos da escola não faz sentido.
Com os conteúdos alcançáveis em tempo imediato nos sites de busca, o professor passa a orientador da procura e da interpretação das informações, o que muda o papel da escola. Muda e precisa mudar, porque a confluência da transformação digital com as grandes questões globais armou um cenário mundial complicado que requer pessoas preparadas para resolver problemas.
A aprendizagem a partir de problemas não é novidade. Trabalhar em grupos, com a mediação do professor-orientador, num ambiente de aprendizagem que exige intensamente do corpo docente e do aluno, numa experiência colaborativa, é característico das pedagogias construtivistas. A novidade fica por conta de que não é mais uma questão de escolha: preparar um aluno para resolver problemas é necessidade. A sociedade precisa de pessoas capazes de resolver problemas e de se adaptar à inovação.
A inteligência humana não só tem a capacidade de resolver problemas muito complexos como usa grande variedade de estratégias para fazê-lo, o que tem levado cientistas interessados no desenvolvimento de Inteligência Artificial a investigarem profundamente essa capacidade de variar modos de pensar.
A aprendizagem baseada em problemas trata de problemas do mundo real, que são mal estruturados, confusos, difíceis. Ao analisar o problema, o aluno formula hipóteses, pesquisa, aprende conteúdos, discute, desenvolve habilidades de pensamento crítico. As relações subjacentes ao problema fazem parte dele, que precisa ser resolvido sistematicamente, com verificação e posterior comunicação dos resultados, considerando o impacto que as mudanças podem trazer para outros. A solução é construída em grupos, e a colaboração é competência fundamental no processo cognitivo para a obtenção de múltiplas perspectivas. Ao solucionar o problema, o aprendiz se dá conta da complexidade enfrentada e percebe a relevância de aprender para criar e lidar com o mundo real, de modo responsável.
Um problema parte de uma ideia central, conceito ou princípio a ser aprendido. Pode surgir nos laboratórios, nas salas de aula, para iniciar uma discussão; pode vir de uma narrativa ou um caso real adaptado, não importa. Independentemente da técnica, o fundamento da aprendizagem baseada em problemas é sempre o mesmo: um problema do mundo real.
Existem maneiras de o professor agir no processo de propor um problema, como pensar que tipo de perguntas abertas podem ser feitas, que problemas de aprendizagem serão identificados, como o problema será estruturado, quanto tempo vai durar, quais as informações que pensa que os alunos necessitam, de que recursos precisam, que produto os estudantes produzirão etc.
A intenção da escola é que o pensamento do aluno passe da abordagem básica de um problema, com uma única fonte de dados e com informações definidas, para um nível de competência complexo, quando os problemas exigem abordagem reflexiva, que implica análise de uma situação, tomada de decisões e gerenciamento de múltiplas condições simultaneamente. A escola ultrapassa o ensino de conteúdos e habilidades passados e passa a lidar com processos que impactam a aprendizagem para a vida, dentro de um ambiente encorajador de construção de autonomia.
Vivemos um período extraordinário da história humana, em que não temos pistas para trilhar o caminho à frente e cujo destino é desconhecido. O papel da escola agora é preparar as novas gerações para o tempo em que vão viver; um tempo em que algoritmos afetam nossa maneira de pensar e sentir; um tempo em que poucas corporações se tornam poderosas possuidoras de imensa quantidade de dados das pessoas; um tempo em que imaginar o futuro daqui a três décadas é uma impossibilidade. A competência fundamental para viver nesse tempo cambiante é a de solucionar as questões geradas pela era digital. Desenvolver essa competência é tarefa da escola hoje.
REFERÊNCIAS:
KAY, Alan – The real computer revolution hasn’t happened yet, 2007
BECK, Ulrich – A Metamorfose do mundo, Zahar, 2018
BROOKOVER, Wilbur – Educação e Sociedade, Luiz Pereira e Marialice Foracchi, 1987
MACLELLAN, Christopher J. – A generative theory of problem solving, 2012
PRENSKY, Marc – Digital Natives, Digital Immigrants, 2001
VÍDEO: https://youtu.be/bUCbCoDpwD0
*Patrícia Konder Lins e Silva é pedagoga e diretora da Escola Parque