

por Sônia Barreira
2018
O espaço de uma escola diz muito sobre ela, sua ocupação e uso dizem muito mais. Por isso, visitar escolas é sempre instigante para os educadores, pois podem conhecer, através do olhar, uma narrativa verdadeira e transparente sobre o que acontece ali e por quê. Como um espelho de valores, conhecemos muito de uma escola a partir do que vemos.
Às vezes, a escola é tão limpa e asséptica que nos remete a um ambiente hospitalar onde a higiene está acima das interações e atividades. Isso nos faz pensar que talvez a rotina de brincadeiras seja mais regrada do que o desejável para o desenvolvimento dos pequenos, com mais intervenções adultas do que o desejável para o desenvolvimento da autonomia. Em outras ocasiões, a movimentação dos adolescentes parece tão orquestrada e ordenada que nos sugere uma normatização da conduta que vai além da requerida para os relacionamentos dessa faixa etária.
Não é raro também encontrar o ambiente escolar decorado pelos adultos, com personagens Disney, ou com desenhos estereotipados de personagens de contos de fadas, e isso expressa a valorização de um tipo de produção cultural bastante divulgada e massificada, muito vinculada ao consumo e que pouco contribui para ampliação do imaginário das crianças. Uma casa de educação é também, e talvez acima de tudo, uma casa de cultura. Não é difícil depreender qual abordagem cultural o espaço escolar valoriza e fomenta.
Já estivemos em escolas com paredes vazias, sem nada em nenhuma parte das salas de aula. Nada mesmo, nem mural, nem recado, nem lista de nomes. Apenas paredes brancas, lousa e relógio, nada mais. Difícil não concluir que o aluno frequenta o espaço apenas para receber informações orais e escritas, assume-se que é esperado que ele ouça, anote e memorize passivamente – atento apenas à tarefa e ao professor, sem nada do mundo exterior para lhe embotar os sentidos.
O ambiente escolar não se restringe ao prédio, tamanho de sala de aula e mobiliário, ele é também composto pela forma como as pessoas se movimentam e deslocam-se, pelas marcas da produção dos alunos, pelos indícios das ações dos professores. Podemos compreendê-lo como parte integrante dos processos que nela se constroem.
Uma lousa com anotações nos conta se o professor abordou o tema com detalhes ou de forma mais genérica, se pretendeu que os alunos copiassem ou apenas a utilizou como apoio para sua fala. Mas uma lousa com caligrafias distintas nos informa que, além do professor, os alunos foram chamados para escrever, demonstrar, participar, de forma mais ativa, da aula.
Os armários baixos, abertos, com materiais à vista parecem indicar que as crianças podem ter acesso a eles. Os fechados, com cadeados ou com materiais fora de alcance, já revelam outro tipo de disposição do professor e do lugar de aluno.
Um ambiente alfabetizador dispõe de marcas das práticas de linguagem às quais os pequenos podem recorrer todo o tempo: lista de presença, lista dos livros preferidos, recados, lembretes, calendários, combinados ou normas, letras de músicas, parlendas, estante com os livros da biblioteca de sala, papel e canetas variadas à disposição. Essas opções indicam que o espaço está convidando as crianças a interagirem com a leitura e a escrita, mesmo antes de saberem ler. Isso é bastante diferente de uma sala na qual se apresentam apenas as letras do alfabeto, ou os algarismos de 1 a 9 – nesse caso é fácil supor que o processo de ensino será “passo a passo e acabadamente“, ou seja, só se ensina a desenhar o B depois de terem aprendido a desenhar o A, o algarismo 2 depois de dominarem o 1, e assim, sucessivamente.
Também uma escola moderna, altamente equipada, na qual aquilo que é exibido é escolhido a partir de critérios rigorosos, com produções infantis bem acabadas e sem erros, podemos ler “nas entrelinhas” de sua ocupação – e descobrir que o adulto “melhora” a produção dos alunos, omite a provisoriedade de suas hipóteses, procura mostrar o correto, bonito e acabado. Como uma escola com esse tipo de preocupação valoriza e entende a produção dos aprendizes? A busca pela perfeição e padronização dialoga bem com um modelo pedagógico que não valoriza o erro, o processo e nem a diversidade.
São muitos os elementos que revelam a cultura pedagógica da instituição escolar.
No caso das nossas escolas, todo esforço é feito no sentido de garantir uma ocupação com as produções dos alunos não apenas para que a comunidade as conheça e relacione-se com elas, mas também porque a ocupação dá sentido à produção. Uma audiência viva e real, que de fato interage com os textos, desenhos, cartazes, faz com que os autores experimentem os processos de criação e construção considerando um destinatário, um interlocutor, tal como nos processos de construção de conhecimento fora da escola.
Os materiais expostos nos espaços de nossas escolas revelam os processos diversos de alunos singulares, destacam as distintas capacidades e estilos pessoais. Valorizam as interpretações e representações do conhecimento que se constroem ao longo da vida escolar. No mesmo espírito, as crianças e os jovens ocupam o espaço, se movimentam nas diversas atividades e propostas, e apropriam-se dos espaços externos e internos por meio de suas ações.
Sabemos que a disposição e o uso dos espaços e materiais não só comunicam uma visão de educação, mas também são escolhas intencionais, com propósitos educativos claros.
A cultura escolar dominante se expressa no ambiente: paredes, exposições, murais, cartazes, e revela um projeto educativo vivo e pulsante, marcado por relações interpessoais intensas.
Em nossas escolas, as marcas da infância e da adolescência têm lugar de destaque pois revelam como a relação com o conhecimento permeia todos os espaços e tempos, e criam um ambiente em que todos se sentem convidados a ensinar e a aprender.
*Sônia Barreira é diretora geral da Escola da Vila
3 Comentários. Deixe novo
Muito esclarecedor, passei a observar vivências nos três ‘pilares’ citados: arquitetura, ocupação e cultura pedagógica, não somente de forma isolada, mas como um todo na comunidade escolar. As produções provocam nos interagentes dinâmicas e movimentos reais, nada estereotipado, ou vedado e sim aberto ao diálogo, a percepção e como dito “[…] criam um ambiente em que todos se sentem convidados a ensinar e a aprender.” Muito bom!
Que bom que fez sentido para você Nelson. Para nós, que buscamos conhecer muitas experiências escolares distintas, já entendemos que não há certo e errado neste aspecto, e sim coerência ou não com o que o projeto pedagógico pretende! Obrigada pela leitura
Muito esclarecedor, passei a observar vivências nos três ‘pilares’ citados: arquitetura, ocupação e cultura pedagógica, não somente de forma isolada, mas como um todo na comunidade escolar. As produções provocam nos interagentes dinâmicas e movimentos reais, nada estereotipado, ou vedado e sim aberto ao diálogo, a percepção e como dito “[…] criam um ambiente em que todos se sentem convidados a ensinar e a aprender.” Muito bom!