

por Silvia Kawassaki
Minha maneira de perceber o mundo foi profundamente influenciada, na infância, pelo contato com a natureza. Descobrir que a formiga minúscula que fazia fila no açucareiro não se tratava de um filhote da saúva foi um espanto. Mais tarde, saber que existem mais de 10 mil espécies diferentes de formiga… espanto maior e, assim por diante, com a descoberta de formigueiros distintos e formas de alimentação e defesa incrivelmente criativos e adaptados a cada ambiente.
O mundo humano não é diferente. Ele é povoado de variações de timbres, crenças, perfis e histórias de vida. Nesse sentido, o respeito à diversidade não está somente na esfera da ética, que referenda as relações em sociedade. É uma constatação intelectual e uma aceitação de ser parte de um infinito de matizes.
O princípio da diversidade marca estruturalmente o projeto pedagógico de uma escola. Ele está presente no currículo, no espaço físico, na didática, nos instrumentos e materiais de apoio e em todas as relações que se estabelecem em um ambiente escolar, e na forma como essa instituição se relaciona com seu entorno.
Esse conceito define como o aluno será considerado nos aspectos da construção de sua identidade, do conhecimento que adquire, assim como das suas competências e habilidades.
Diversidade formadora da identidade
A construção contínua da identidade de cada um se dá no contato com o outro, ao compartilharmos com ele experiências e constatarmos semelhanças e diferenças. Poder fazer escolhas também é uma oportunidade de conhecer a si mesmo. Nesses processos, as identidades se afirmam, reafirmam e podem transformar-se.
O outro da mesma nacionalidade ou não, da mesma faixa etária ou não, pode trazer diferenças culturais que nos espantam, que emocionam. Pode trazer semelhanças nas afinidades. Pode trazer diferenças sociais que provocam estranheza, que ampliam. Muitas vezes, o outro pode incomodar e, ainda assim, ensinar muito sobre nós mesmos e sobre o contexto.
A escola precisa criar espaços e tempos para que haja encontros entre diferentes: pessoas, situações, materiais e instrumentos, além de conteúdos e as muitas formas como ele se expressa.
Nesse sentido, preciosa é a presença do educador nas situações de aprendizagem, equilibrando os estímulos e mediando conflitos, tanto nas situações cotidianas como nas situações pontuais e mais planejadas, como os eventos e estudos de meio.
Diversas formas de aprender e ensinar
Atualmente, é impensável considerar que todos aprendem da mesma maneira. O desafio das escolas é encontrar, em um ambiente que é coletivo, estratégias e dispositivos que motivem, que desafiem e que levem todos os alunos a realizarem o máximo de seu potencial.
Uma didática diferenciada traz expectativas de aprendizagem comuns ao grupo e desafiadoras na medida para o indivíduo. Ela reconhece os diferentes interesses dos alunos e desenha estratégias de ensino e aprendizagem que fazem uso das várias linguagens, de formas variadas de agrupamento de alunos e de uso de espaços/tempos e recursos de apoio.
As aulas expositivas abrem espaço para outras formas de interação com o conteúdo, como projetos multisseriados, experiências práticas e de ‘mão na massa’, aulas invertidas e imersões.
A avaliação deve ser incluída nesse espectro, por mais que traga as questões inerentes relativas às métricas do grupo x métrica do indivíduo e métricas internas x externas às escolas. Como verificar o grau de aprendizagem do aluno em relação a ele mesmo e ao grupo? Como considerar as singularidades no instrumento de avaliação escolar? Esse é um desafio que as escolas contemporâneas têm nas mãos, na busca por uma avaliação que também seja formativa e processual, ou seja, que seja parte do processo de aprendizagem e não só de verificação do ponto de chegada.
Olhando de forma ampliada, na esfera da universidade e do mercado de trabalho, instituições e empresas começam a mudar seus processos de avaliação e seleção com o objetivo de conhecer mais e melhor o candidato, inclusive, aproximando-o daquilo que ele irá exercer e das competências que terá que apresentar.
Um lugar cada vez mais complexo e abrangente
Um projeto pedagógico que não considera a diversidade como princípio pode trazer um ponto de vista como a verdade absoluta, pode trazer uma referência cultural como superior ou pode se propor a formar um único tipo de aluno. Aquele que tem uma opinião diferente, que tem outra formação sociocultural e que tem um projeto de vida diverso pode não se identificar, pode ficar sem espaço de expressão, engajamento e desenvolvimento.
Em contrapartida, o aluno que exercita, cotidianamente, conviver e aprender em uma escola com o princípio da diversidade, saberá ser empático, flexível, estará apto a trabalhar em equipe e fazer as escolhas que lhe fazem sentido. Estamos falando de competências fundamentais para viver em um mundo tão complexo, globalizado e imprevisível.
Dar valor ao princípio da diversidade é uma escolha de como estar no mundo.
*Silvia Kawassaki é diretora da Escola Viva
1 Comentário. Deixe novo
Excelente reflexão sobre sobre a importância da diversidade nos seus diferentes contextos no projeto pedagógico de um espaço escolar como princípio de formação de seres humanos capazes de transformar e serem transformados, numa dinâmica de respeito a individualidade e limites de cada um. Propor uma educação transformadora do ser passa pela libertação das amarras da escola tradicional como princípio de de igualdade.
Precisamos nos permitir e perceber que a escola que acredita no potencial dos seus estudantes como construtores das suas aprendizagens, a partir de uma nova visão do significado de ensinar e aprender na sua relação com o outro e para o outro. Essa relação nos remete a perceber que a educação se faz no coletivo, na tempestade de ideias, visando a contribuição do outro para a construção da aprendizagem.
Nessa visão da valorização da diversidade, a escola é vista como um espaço de construção e reconstrução de saberes , a avaliação tornar-se um processo dessa construção e não apenas um meio de verificação final dessa aprendizagem.
Nesse contexto escolar formar o cidadão do século XXI que esteja aberto as mudanças, seja resiliente, solidário, empático, afetivo e capaz de trabalhar em equipe, sendo assim estamos no caminho para construirmos uma sociedade mais humanizada e feliz.
Esse é o nosso grande desafio, mas quando pensado na construção do ser tornar-se possível dentro das nossas realidades. Acredito que é por aí…