

por Grupo de Escolas Critique
Nas últimas semanas temos visto um conjunto expressivo de artigos e manifestações de educadores, pesquisadores, instituições de ensino, imprensa e sociedade de um modo geral, sobre a proposta conhecida por Escola Sem Partido (ESP). Os posicionamentos aumentaram nas mídias porque esse movimento avançou consideravelmente, visando influenciar a opinião pública com argumentação rasa que facilita o convencimento. Com isso, ameaça transformar suas propostas em lei e submeter escolas e educadores aos seus preceitos.
Esse movimento, ao contrário do que pode parecer, não visa apenas combater o proselitismo político em sala de aula. O nome, Escola sem partido, ilude o observador distraído e a aceitação à primeira vista parece óbvia: evidentemente as escolas não têm de tomar partido político! No entanto, não é bem isso. Trata-se de uma organização da sociedade civil, que se autodescreve da seguinte maneira: “composta por pais e estudantes, preocupados com o grau de contaminação político-ideológica das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior”. Neste mesmo ambiente virtual, declara que se propõe a: combater ideologia, educação sexual e temas relativos à moralidade por entenderem que isso é função da família.
Nós, educadores profissionais que atuamos no chão da escola, entendemos que escolas democráticas, que visam a formação de jovens autônomos, com pensamento crítico e sensibilidade social não podem apoiar as intenções acima descritas; ao contrário, escolas democráticas para serem coerentes com seus propósitos educacionais, com os projetos pedagógicos pelos quais são conhecidas e por meio dos quais escreveram suas histórias, devem combater com firmeza e propriedade as ideias divulgadas por este grupo.
E por quais razões?
Escolas que visam que seus alunos construam autonomia, pensamento crítico e capacidade de criar não são lugar de repetição de cartilhas prontas, muito menos de ideias-verdade, ou de dados e fatos “neutros” que não ajudam a desenvolver a capacidade intelectual dos alunos. Para fazer pensar é preciso provocar, oferecer diversas lentes de leitura da realidade, situações-problema variadas e teorias consistentes. É preciso ter liberdade para evocar, contrapor, duvidar. Só um professor bem preparado, comprometido e livre pode agir dessa maneira.
A sala de aula que faz pensar, regida por profissionais que acreditam na capacidade de aprender dos alunos, é o lugar do inusitado, do imprevisível, do imponderável, quase nunca um dia é igual ao outro. E por que é assim? Porque os alunos são seres pensantes, que igualmente duvidam, provocam, analisam e confrontam. Nenhuma aula é exatamente como o professor planejou. Ele é contestado, questionado e perguntado, especialmente quando os aprendizes estão motivados e percebem sentido no que os professores propõem. Suas propostas podem funcionar ou não, às vezes falham e precisam ser ajustadas no momento da aula. Em todas as circunstâncias, sucesso ou não, o professor tem de justificar suas propostas, considerar o que foi dito pelos alunos, fazer ajustes e eventualmente até admitir que não tem a resposta para aquela pergunta. Nesse jogo de dúvidas, de buscas, confronto de ideias e de permanente inquietude intelectual, se dá a construção do conhecimento. A construção de um conhecimento autêntico, não mera reprodução ou repetição do que o adulto quer ouvir.
Mas, para que uma sala de aula funcione dessa maneira é preciso garantir certas condições estruturais ao longo do tempo, pois essas características dos alunos e dos professores não surgem do nada, não fomos formados para agir dessa maneira. A maioria de nós foi formada na escola do passado, onde obediência e reprodução eram a tônica. Para que a sala de aula seja como a que descrevemos no parágrafo anterior, é preciso que todos se sintam autorizados a pensar, sejam reconhecidos como sujeitos únicos, haja espaço para erros e acertos. É preciso construir relações de cooperação mútua entre os estudantes, e estas só podem se desenvolver em ambiente de confiança. Os alunos precisam confiar que o professor vai legitimar suas dúvidas e utilizá-las para o processo de construção de conhecimento de todos no grupo. O professor precisa confiar que os alunos irão expressar suas ideias e opiniões. O grupo precisa saber que a voz de cada um e de todos está garantida e protegida.
Nada disso acontece por acaso, por decreto ou do dia para a noite. São posturas que são desenvolvidas e incentivadas do início ao final da escolaridade básica. Aprender a ouvir o outro, mesmo quando ele sabe menos que você, participar seguidamente de debates assumindo posições em que acredita ou não, expor suas contribuições para o restante do grupo, reconhecer suas falhas, trabalhar em grupo, cuidar do meio ambiente, reconhecer as diferenças e encontrar seu espaço no grupo são conquistas que ocorrem em escolas que constroem um projeto político pedagógico que valida as situações de aprendizagem que geram aqueles frutos.
É dessa forma que essas escolas ensinam a pensar: com liberdade, diálogo, aceitação das diferenças e confiança mútua. Nesse processo, o erro pode fazer parte do cotidiano de todos. Mas a estrutura de nossas escolas, o orientador, o coordenador, o diretor, eles avaliam e analisam permanentemente com a equipe de professores as práticas pedagógicas do professor, suas decisões, numa relação profissional entre adultos. É no plano profissional que se discutem os planejamentos e acontecimentos em sala de aula. Não consideramos moralmente educativo inverter papéis, convocando os alunos para serem os vigias de seus professores!
Para exercer a alteridade, o educador precisa estar legitimado como o adulto que tem a autoridade no processo educacional, o que não pode fazer coagido, controlado de fora para dentro, refém da interpretação equivocada daquele que pretende educar.
Ao perder sua liberdade em sala de aula, o profissional da educação de escolas como as nossas perde sua profissão, integralmente. Restará a ele a reprodução de um plano de trabalho rígido, pautado numa falsa neutralidade, eventualmente tendo por base materiais prontos, elaborados por terceiros, padronizados e empobrecidos. E isso, para nós, não é o mesmo que ser um educador.
Para seguirmos educando seres pensantes, reflexivos, autônomos e éticos não podemos abrir mão das seguintes condições:
- liberdade para educar e agir profissionalmente em sala de aula, garantindo o direito de crianças e jovens de serem formados com base nas teorias mais contemporâneas sobre aprendizagem;
- ambiente de trabalho coletivo profissional, autônomo, capaz de analisar sua prática com liberdade e coerência, capaz de dialogar com as famílias e alunos sem a intervenção de pessoas alheias ao processo de ensino e aprendizagem em curso;
- ambiente de confiança plena entre os partícipes do projeto pedagógico.
O tema não se encerra aqui. Nesta quarta-feira, publicaremos o artigo “Quais valores e ideias são vistos como doutrinação pelo movimento Escola Sem Partido?”, de Alex Brilhante, professor de Ciências Naturais e Física da Escola da Vila.
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13 Comentários. Deixe novo
Parabéns Alex! Acredito nesta escola que vc propõem ,trabalhei 26 anos na Educação Infantil e foi nesta perspectiva que trabalhei com meus alunos,hoje sou aposentada fiquei muito cansada mas feliz pelo trabalho realizado hoje porém atuo no paisagismo.
Excelente análise! Lucidez, ponderamento e encaminhamento!! Contem comigo!
É assustador como essa onda de conservadorismo tem aumentado e ameaça realmente sufocar a educação no Brasil.
Orgulho .
Orgulho
O portal se chama Critique, mas nas letras miúdas é convida a discernir, então acho que posso emitir minha opinião, ainda que destoe da maioria aqui. Para mim, este texto está equivocado. O movimento da escola sem partido não critica, em nenhum momento, a condução da Educação atual, ele critica sim, e duramente, alguns professores, e suas escolas coniventes, no abuso de poder que exercem sobre os alunos na doutrinação partidária, tentando impor goela abaixo, o direito de uns em detrimento do direito dos outros, quando insistem em exaltar a diferença e constrager. O que a escola sem partido, e eu (como mãe, com professora e como aluna), defendemos é exaltar e exemplificar a igualdade de direitos e de deveres também, a importância da responsabilidade e da disciplina, valores que precisam ser resgatados para que os princípios da democracia sejam assegurados de fato, e para que se formem indivíduos não só críticos , mas críticos conscientes e respeitosos (este último vem faltando para alunos, professores e para pais, ultimamente).
Totalmente de acordo!
Parabéns pelo posicionamento! Fico muito tranquila em deixar meu filho em uma escola que valoriza a liberdade de expressão!
Aproveito para indicar um documentário sobre esse projeto obscurantista de censura e criminalização do professor.
https://paulocarrano.blog/2018/11/07/escola-sem-censura-documentario/
Como professora que fui durante 40 anos, e num sentido profundo ainda sou, assino embaixo!
Feliz de saber que coloquei minha filha na Escola Parque. Hoje, ela é uma jovem mulher consciente e crítica. Orgulho.
Estou muito preocupado com a campanha rasa e com o título desse projeto, pois leva a população a acreditar na proposta. As argumentações das pessoas que a defedem são totalmente vazias. Estão querendo fazer uma doutrinação da educação no Brasil. Isto é muito perigoso
Pior que o conservadorismo é a degradação do ensino dado por professores que visivelmente idolatram um partido político que fazem um verdadeira lavagem cerebral nos professores que deveriam ser imparciais e apartidários, já que são formadores não só de opinião não de futuros profissionais e intelectuais.