

Por Lidiane Torres, orientadora pedagógica do Centro Educacional Viva
Texto reflexivo desenvolvido com base nas trocas construídas na Residência sobre Sustentabilidade na Escola Parque.
A urgência de se pensar no modelo de vida que estamos construindo vem batendo a nossa porta. O futuro acontece o tempo todo, embora não o percebamos. Acontece também que no nosso hoje, começamos a entrar em contato com a possível realidade do não futuro, já que o déficit da equação entre planeta e produção está cada vez maior. Fizemos do consumo um meio de vida e nos tornamos dependentes do modelo econômico que construímos, assim, estamos atingindo os limites físicos que o planeta tem como suportar. E ainda que há alguns anos (sobretudo depois da Eco 92) já tenham ocorrido diversas mobilizações, que sinalizaram sobre essa realidade que hoje é tão próxima, pouco foi feito, porque uma mudança de consciência requer uma mudança de vida, e mudar exige desejo, esforço, trabalho e a percepção de que não estamos e não somos sós. Entramos em dívida com o planeta e já passou da hora de pensarmos em como estamos sobrevivendo para continuar vivendo.
Entender que somos parte da natureza para aprendermos a respeitar os seus limites.
A natureza é de onde somos origem e é com ela que precisamos aprender sobre o consumo circular, ou seja, o ciclo de vida e “re-vida” através de uma dinâmica possível de produzir, usar, reusar, reutilizar, descartar e fazer deste descarte um novo insumo. Mas, o planeta está doente, febril e perdendo as forças para lutar contra a arbitrária extração que acaba com os biomas, causa desertificações e o aumento gradativo e imparável da temperatura climática, todos esses fatores resultantes da desmedida intervenção humana. Não podemos esquecer que, somos de natureza humana e, portanto, também somos fruto de um ecossistema, que movimenta a necessária interação ecológica que construímos.
Assim, se torna cada vez mais urgente que estabeleçamos uma relação mais aproximada com a natureza. Compreender que somos parte de um sistema maior de vida é essencial para que reconheçamos que estamos vivos e somos seres vivos porque existem também outras formas de vida. Fazemos parte da mesma cadeia biológica. Na natureza existe cooperação, respeito, reciprocidade, mas quem desconstrói todo este ciclo somos nós quando extraímos e não respeitamos o seu limite, o seu tempo, construindo uma relação de troca desleal com ela. Conhecê-la melhor, nos apropriarmos dela, aprendermos com ela, nos torna mais educados e mais naturalmente humanos. No entanto, aprendemos desde cedo que temos que cuidar de nós mesmos, da nossa alimentação, da nossa saúde e de tudo o que nos torna seres não só biológicos, mas também pertencentes a uma sociedade. E dessa forma, embora estejamos vivendo em sociedade, não estamos vivendo com e para a sociedade. Somos nós, que deixamos de ser empáticos e de valorizar tudo o que recebemos gratuitamente, quando acabamos abrindo mão de cuidar, nos deixando guiar pelo conforto, prostração, comodidade, facilidade. Mas, saúde humana e sobrevivência ecológica são dois fatores indissociáveis. Precisamos, portanto, retomar como prática o conceito de interação ao que se propõe a ecologia, para voltarmos a nos relacionar com o que é vivo. Nossa vida é finita, porque somos humanos e tudo o que é vivo, em seu próprio existir tem um fim. O nosso planeta é o maior destes exemplos. A coexistência entre seres vivos e “não vivos” pode ser possível a partir de quando entendermos que somos autores do que produzimos e, portanto, autores e responsáveis pelos bens e lixos que geramos.
A ideia de infinitude que atinge a vida moderna afeta diretamente o modo como temos conduzido as nossas ações, a nossa vida, o nosso modo de viver e se relacionar com o mundo. De quantos planetas vamos precisar? Só temos um. E se não podemos fazer pelo planeta todo ainda, que comecemos do micro para o macro.
Por onde começar?
Aprendemos a consumir, mas não aprendemos a descartar, porque quando o consumo é inevitável, a diferença está no que fazemos com os resíduos que são gerados. O tempo passou, o mundo evoluiu, muita coisa mudou, avanços científicos e tecnológicos foram conquistados e a cada dia podemos viver com mais conforto. E junto a todos esses fatores de crescimento, crescemos em produção, mas também em população, por isso não podemos permanecer com os mesmos hábitos de consumo. Vivemos hoje uma realidade antropocêntrica: modificamos tanto o nosso meio ambiente, que a natureza começa a perder espaço. A natureza e a vida se reciclam, os bens materiais não. Há quanto tempo viemos produzindo tais bens e temos coexistido. O problema é que na finitude do nosso planeta, quem vai acabar ficando sem espaço somos nós.
Parafraseando o poeta mineiro Sérgio Vaz, respondemos à questão do por onde começar: Revolucionário é todo aquele que quer mudar o mundo e tem a coragem de começar por si mesmo. Em outras palavras, não basta sabermos que tem que ser feito e o que tem que ser feito, se não fazemos. Pode começar aqui, pode começar por nós, mas precisa começar. Quando desejamos algo, vamos em busca. Precisamos desejar a mudança. O que muitas vezes nos impede de começarmos é o fato de pensarmos que somos sós, que de nada adianta fazer, se o outro também não faz, que o planeta é muito grande e pequenas ações são ínfimas e insuficientes. Esse tipo de percepção é o que nos afasta da nossa responsabilidade conosco, com os nossos e com os outros. Se somos tão pequenos dentro dessa Terra, que sejamos “muitos pequenos” agindo pelo nosso grupo social, pela nossa comunidade local, pelo nosso bairro, pela nossa cidade. Há muito e o possível a se fazer, mas como disse Vaz, é preciso coragem.
A escola como espaço de ressignificar o consumo
A escola tem como “matéria-prima” a criança, um dos maiores bens que se pode ter. É na infância que o mundo se revela, de forma genuína e simples e partindo de experiências que contribuem para a constituição desse ser em formação como sujeito. É na infância que se aprende a viver, a conviver e a compartilhar as percepções de mundo. É na infância que imaginação gera significados, curiosidade gera saberes e encantamento gera conhecimento. Significado, saberes e conhecimento são ótimos ingredientes para a construção de uma geração mais consciente ecologicamente. A pessoa só se afeta por algo com o que ela tenha estabelecido alguma relação em algum momento da vida, por isso, a escola ao promover uma conexão mais íntima do seu aluno com a natureza, o ajudará a construir uma postura mais respeitosa diante dela e responsável sobre os problemas que o meio ambiente vem enfrentando. Quando falo de respeito, é necessário colocá-lo em suas diferentes dimensões: da admiração, do cuidado e do limite. Afinal, respeitar é sobretudo admirar, cuidar e entender sobre os limites.
O espaço da escola pode se ampliar para fora do seu meio físico e colaborar para construir ferramentas, valores e atitudes para mudar a realidade local, podendo se expandir para a global. Assim, nós educadores temos o privilégio de vislumbrar o futuro possível, através dos pressupostos do nosso modelo de projeto educativo. A educação é um bom caminho no processo das mudanças que precisam acontecer na cultura de consumo. Através dela podemos elaborar projetos que desenvolvam um pensamento mais voltado para a coletividade, porque independente do quanto e de quem consome, o impacto é para todos. Promover ações ambientais, cuidar do que é de todos, conhecer e envolver-se com a comunidade, para entender que o que afeta ao outro, afeta a nós também, é de grande importância para mexermos com o problema do consumo da contemporaneidade. Condutas adotadas dentro do ambiente/comunidade escolar, como o não uso de materiais plásticos, a implantação de pontos de coleta e as práticas de reciclagem e reaproveitamento, além de dizerem muito sobre a cultura que ela busca construir, pode ser capaz de incitar nas famílias a adoção de tais práticas.
Para Paulo Freire (1997), a “capacidade de aprender não apenas para nos adaptar, mas para modificar a realidade, para nela intervir, recriando-a”, é necessária no processo de ensinar e aprender. E nós estamos convivendo hoje com problemas oriundos da falta dessa educação ambiental, do conceito de cidadania planetária, que hoje começa a ser discutido e aplicado. E embora tardias, as ações e medidas educacionais ambientais ainda poderão ser capazes de modificar a nossa realidade.
A escola pode atuar nas diferentes esferas sociais, motivando seus alunos a realizarem diversos movimentos. A mobilização para uma percepção socioambiental se faz cada vez mais urgente, tanto nas escolas da rede privada como nas da rede pública. Para entender o planeta como uma comunidade única e de todos é necessário saber quem são esses todos. Para tanto, é preciso encurtar distâncias, indo em busca de conhecer as diversas realidades sociais e as questões pertinentes a estas. Por isso, é importante que tais intervenções comecem pelo seu entorno, para que alcancem projeções mais amplas. Compreender essa engrenagem social também poderá contribuir e justificar a idealização de outros projetos, que contemplem medidas sustentáveis dentro e fora da comunidade escolar. Sendo assim, podemos buscar tantas outras formas de se viver melhor, criando uma relação mais justa entre consumo, cuidado e sustentabilidade, porque entender sobre diversidade e cooperação pode suscitar em nossos potentes agentes de mudança – alunos, de forma autônoma, a necessidade de alargar o seu campo de atuação.
E quais medidas podem acontecer na escola que contribuam para um consumo circular?
Sabemos da importância das experiências vivenciadas na infância e na juventude dentro do contexto escolar. E em meio a tantas possibilidades de desenvolver uma cultura de consumo consciente, essa importante estância social pode lançar mão de medidas, como: construir parcerias que tenham como propósito a continuidade da vida útil de resíduos que produzimos, desenvolver meios de coleta e captação de insumos, como compostagem e água da chuva, incentivar a autoria no plantio, cultivo e colheita, promover projetos de troca-troca desde uniformes, passando por brinquedos e até materiais pedagógicos, orientar e disseminar a busca por uma boa educação alimentar, dissociar a instituição de situações de comercialização de produtos, além de reverter ganhos, criar e apoiar projetos sociais.
Mas, a maneira mais eficiente de fomentar essa mudança de realidade que buscamos, é o trabalho em si de educar, porque essa construção ocorre dentro, mas inevitavelmente e propositalmente fora do meio físico da escola, através dos nossos crianças e jovens, que além de atuantes, podem se tornar potenciais difusores de uma nova forma de viver.
Somos sujeitos da cultura que produzimos, mas também reféns do que estamos prestes a viver. Fazemos parte deste mesmo sistema e formamos crianças, famílias e toda a rede de relações da qual os nossos alunos são parte, além de nós mesmos, que estamos imersos nesse processo de busca por conhecimento. Somos ensinantes, mas também aprendentes. Buscar estratégias de consumo, além de projetos e parcerias que incentivem o reuso ou o descarte consciente não é fácil, porque não é só delegar, é participar, é se comprometer com um novo cenário a se criar, é se incomodar, sair do conforto do platô no qual nos instalamos ao longo dos últimos anos.
Eu quero convidar vocês para viver com mais amor. Preciso que me ajudem a mostrar aos adultos que não podemos viver sozinhos, como eles pensam (…) Então, eu preciso que voltem para as suas casas e conversem com os seus pais. É importante que falem com eles sobre o amor. Já está na hora deles aprenderem a viver em harmonia. Assim todos ajudam a me salvar. Cada um do seu jeito e fazendo a sua parte – concluiu o planeta(…) Com o passar do tempo, Terra já não sentia tantas dores e não tinha mais febre. Estava ficando azul de novo. As crianças conseguiram! O planeta estava quase curado e respirava mais aliviado. (ROSA, 2010)
VIVER MELHOR, VIVER MAIS, VIVER BEM. Busquemos essa realidade e deixemo-nos aprender com as crianças e os jovens. Deixemo-nos humanizar.
Referências bibliográficas
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1997
KRAMER, Sônia. Infância e Produção Cultural. 6ª Ed. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998.
LEONARD, Annie. A História das Coisas. Zahar, 2011
LOUV, Richard. A última Criança na Natureza. Aquariana, 2016.
LINDSTRON, Martin. A Lógica do Consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
ROSA, Luciana. O Planeta Está com Febre. Rio de Janeiro: Zit Editora, 2010.
Carta da Terra. Disponível em: https://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/folder_carta_da_terra.pdf
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Imagem por Bela Geletneky/Pixabay