

Por Carlos Alberto Nascimento, José Claudio Reis e Patrícia Lins e Silva, da Escola Parque
Falando de reformas, ou em tempos de reformas, vamos olhar para uma reforma que urge na Educação Básica, que é a promoção do diálogo entre as Ciências Naturais e as Ciências Humanas.
Se entendemos que não há neutralidade na ciência, que ela se constitui numa atividade humana produzida num contexto histórico com condicionantes sociais, culturais, políticas e econômicas, não faz sentido insistirmos numa educação científica voltada para resultados e produtos, ignorando o processo de criação e descoberta, que é permeado ou atravessado por questões, por exemplo, de natureza subjetiva, como falou o filósofo e historiador da Ciência Pierre Thuillier, citando Einstein:
“A ciência, considerada como um conjunto pronto e acabado de conhecimentos, é a mais impessoal das produções humanas; mas, considerada como um projeto que se realiza progressivamente, ela é tão subjetiva e psicologicamente condicionada como qualquer empreendimento humano.”
A educação científica escolar, ao se limitar aos programas de acesso aos cursos superiores e a recursos didáticos, como os livros, reforça o caráter unicamente objetivo e racional da ciência. Ao reduzir a aprendizagem em ciências a um mero formalismo matemático, não é criado um ambiente em que ela possa ser lida, praticada e admirada por fazer parte da Cultura Humana. “A formação cultural de qualquer pessoa ficará enriquecida se o ensino de Física levar em consideração elementos da História da Física, da Filosofia da Ciência, dos Estudos Sociais da Ciência e o relacionamento da Ciência com outras áreas do conhecimento” é o que nos ensina o professor João Zanetic.
Pensando em reformas, poderíamos experimentar uma aproximação da educação científica escolar com outras manifestações culturais. A arte, a literatura, o cordel, a poesia, a música, entre outras linguagens, são algumas das formas de encantar as crianças e jovens com a aventura da descoberta científica. Alguns dos aspectos que também podem ser ressaltados na produção científica de uma época são a imaginação e a intuição, pois como diz o físico Mário Schenberg, “A origem das ideias científicas fundamentais é bastante misteriosa. Não sabemos de onde elas vêm; dizem que os grandes gênios têm intuições.”
E o físico Ildeu de Castro Moreira nos conta que “Existem relações profundas entre ciência, cultura e arte no processo de criação humana. No entanto, a discussão integrada raramente se realiza nas salas de aula. Ciência e poesia pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor.”
Em tempos de reformas, cabe nos perguntarmos, como educadores, qual o significado cultural do que estamos estudando e ensinando, o que é relevante ensinar, qual a relevância cultural, social e epistêmica de escolhermos tal assunto ou fazermos tal escolha.
Os desafios de se implantar nas escolas uma concepção cultural mais ampla de ciência levantam questões que os professores podem discutir com os jovens, reconhecendo que a maioria deles não seguirá estudando Ciências, com exceção dos que optarem pelas carreiras científicas. São questões que envolvem reflexão sobre temas relevantes, mais do que conteúdos específicos.
- para que serve a ciência?
- quais as contribuições dos cientistas nacionais e suas instituições de pesquisa para a construção de uma nação independente?
- o que representa a atividade científica para a construção da uma soberania nacional?
- qual o papel da ciência e tecnologia nacional no desenvolvimento econômico do país?
- por que precisamos de saberes das humanidades – como Filosofia, Sociologia e Antropologia – para o pensar científico?
- quais as responsabilidades sociais dos cientistas?
- qual o papel dos cientistas brasileiros na luta contra o obscurantismo?
Ainda falando de relevância – e entendendo a cultura como matriz da formação humana – é interessante refletir sobre o papel da ciência pelo viés do teatrólogo Bertolt Brecht, que na peça A Vida de Galileu escreveu o texto abaixo, aludindo à explosão da Bomba de Hiroshima:
“...eu penso que o objetivo da ciência consiste no seguinte: aliviar as fadigas da existência humana. Se os homens de ciência, intimidados por egoístas detentores de poder, se contentarem em amontoar o saber pelo prazer do próprio saber, a ciência não será mais do que uma pobre coisa doentia. Vossas novas máquinas só servirão a novos tormentos. E, com o tempo, podereis descobrir tudo o que há para descobrir, mas vosso progresso vos afastará sempre mais da humanidade. O abismo entre vós e ela pode tornar-se tal que, ao vosso grito de alegria diante de uma nova conquista, responderá um grito de horror universal.”
Na reforma, vamos propor a nossos alunos a reflexão sobre o avanço da Ciência e suas consequências. Vamos discutir, entre outras, questões éticas preocupantes, como a manipulação genética, o desenvolvimento da inteligência artificial, a criação de novas espécies, e tudo o que possa ter impacto na vida da Humanidade, na vida do Planeta.
Referências bibliográficas:
- De Arquimedes a Einstein – a face oculta da investigação científica (Pierre Thuiliier)
- A invenção das Ciências Modernas (Isabelle Stengers)
- Pensando a Física (Mário Schenberg)
- Voar também é com os homens: o pensamento de Mário Schenberg (José Luiz Goldfarb)
- Ciência e Liberdade (José Leite Lopes)
- Física ainda é Cultura (André Ferrer Martins)
- 100 palavras para conhecer as Ciências (Isabelle Stengers e Bernadette Bensaude-Vincent)
- As Duas Culturas e uma Segunda Leitura (Charles Percy Snow)
- A Vida De Galileu (Bertolt Brecht)
- Diálogos sobre a Ciência, a Cultura e o Tempo – Conversas com Bruno Latour (Bruno Latour e Michel Serres)
- (En)canto científico: temas de ciência em letras da música popular brasileira (Ildeu de Castro Moreira e Luisa Massarani)
- Poesia na sala de aula de ciências? A literatura poética e possíveis usos didáticos (Ildeu de Castro Moreira)
Imagem de Dariusz Sankowski por Pixabay