

Por Sérgio Porfírio, coordenador do Ensino Médio do Grupo Balão Vermelho
A BNCC – Base Nacional Curricular Comum, de bases legais e em implantação na maioria das escolas do Brasil, têm como peculiaridade ser o primeiro documento oficial que aponta um currículo básico para todo território nacional. No Ensino Médio, além da proposição de conteúdo, visa a flexibilização do currículo a partir da implementação de itinerários formativos. Trabalho que merece muito investimento em estudo dos educadores para elaborar um novo trilho para o segmento, mesmo que ainda, não vislumbrarem uma estação de chegada.
Para além do currículo e de sua flexibilização, o documento também aposta em uma transformação da atuação do educador: sai de cena o detentor único do saber e entra o mediador, o tutor, que mostra caminhos, orienta e auxilia, mas deixa o aluno trilhar a sua via na construção do conhecimento. Hannah Arendt, em seu texto “A crise da Educação, de 1972, ao abordar os principais problemas da educação na América, nos apresenta um ponto de atenção:
“Sob influência da psicologia moderna e das doutrinas pragmáticas, a pedagogia tornou-se uma ciência do ensino em geral ao ponto de se desligar completamente da matéria a ensinar. O professor — assim nos é explicado — é aquele que é capaz de ensinar qualquer coisa. A formação que recebe é em ensino e não no domínio de um assunto particular…. O que daqui decorre é que, não somente os alunos são abandonados aos seus próprios meios, como ao professor é retirada a fonte mais legítima da sua autoridade enquanto professor.”
O texto de Arendt, que já possui quase meio século, me parece um tanto quanto contemporâneo se levarmos em consideração algumas tentativas de educadores, nas últimas décadas, de promover projetos e atividades com características interdisciplinar, multidisciplinar ou transdisciplinar com pouco ou nenhum sucesso. Um exemplo disso é o deslocamento que professores de algumas disciplinas sentem ao terem que se engajar em propostas de trabalho para os alunos de forma forçosa com o objetivo de levantar a bandeira da integração pedagógica. É fácil encontrar professores de matemática angustiados tendo que defender o cálculo da área de um espaço qualquer como justificativa para participação do pensamento matemático em um projeto com outras disciplinas.
A contemporaneidade do texto sobre a crise da educação e a política do MEC na implementação da BNCC exige uma reflexão sobre o tempo da escola, o tempo do professor e o tempo dos alunos. Podendo ter como ponto de partida para essa reflexão o aparelhamento burocrático que a educação se apropriou para controlar, registrar e dar visibilidade ao trabalho. Provas, gabaritos, correção, diários de classe, conselhos, tecnologia, habilidades e competências, são umas das palavras que rondam diariamente a vida de milhares de professores. A avaliação do ensino no país por meio de vestibulares e ENEM promoveu no interior das escolas uma corrida pela verificação da aprendizagem que ultrapassou o objetivo de ensinar. Assim, em um efeito dominó, da Direção Pedagógica ao aluno foi dada largada a educação da meta, do ranqueamento e da angústia. Mas, o que isso tem a ver com a proposta da BNCC e o problema da educação apontado por Arendt?
A conectividade planetária e as crises sociais, econômicas e ambientais expuseram a fragilidade e a ineficiência de uma educação fragmentada. Se por um lado o tradicionalismo e rigidez dos processos escolares não produziram melhora dos nos indicadores educacionais do país, também muitas tentativas de conexão entre disciplinas pouco atingiram o objetivo. Para que se elaborem propostas interdisciplinares efetivas, sem o esvaziamento da ciência e do saber, é necessário tempo! Tempo da escola, tempo do professor e tempo do aluno. A frenética burocracia necessita dar espaço para o planejamento pedagógico. Na verdade, o que assistimos nos últimos anos foi uma ampliação da carga horária dos alunos como saída para melhoria do ensino, o que não ocorreu!
No início de 2018, os professores das áreas da Ciências da Natureza e Matemática do Colégio Mangabeiras Parque em Belo Horizonte, elaboraram um projeto interdisciplinar que foi um marco para os alunos. Com o tema “Origens” os educadores articularam, durante reuniões pedagógicas, um alinhamento de ações que, para além do conteúdo, criou visibilidade a conexão entre áreas, e os alunos se engajaram. Por vários momentos as aulas aconteceram em conjunto e o saber e o conteúdo se entrelaçavam de forma orgânica e a aprendizagem aconteceu de forma efetiva. Todos envolvidos e certos que tinham encontrado uma forma de trabalho que representasse realmente um caminho. Porém, no momento do fechamento e mensuração dos resultados, um problema: faltou tempo para uma avaliação que mensurasse a riqueza do processo. Situação que colocou toda a equipe a refletir sobre o planejamento que até então tinha acontecido de forma harmoniosa.
Talvez vivemos um dos momentos políticos mais difíceis para a educação do país, difícil pelos cortes sofridos, pela desvalorização do saber e certa apologia a ignorância e pelo enfraquecimento da autoridade em geral. Pensando nas grandes instituições sociais, não encontramos nenhuma isenta a crises internas e externas – governo, religião e educação. Porém, dentre as três, a educação tem a maior chance de se desvencilhar desde engodo e repensar o seu tempo. Um tempo de reflexão para, ao implantar uma política educacional de ordem nacional, não reproduzir um histórico de fracassos ou de, como afirma Hannah Arendt, uma escola que se desliga da matéria do ensinar. Esse é o ponto crucial para a educação, construir uma ponte entre o passado e a cultura para transformar o presente e o futuro. Por isso, julgo como premissa fundamental nas instituições de ensino uma pergunta a se fazer neste momento: tempo para quê?
1 Comentário. Deixe novo
Acredito que essa é uma oportunidade para virada.A educação é a possibilidade.Para isso, precisamos interferir na estrutura escolar,romper com o modelo de alguém que precisa ensinar para alguém que precisa aprender.Também Será necessário considerar a nova relação da humanidade com tempo e o espaço.Precisamos de um currículo revolucionário que privilegie o tempo da oportunidade( Kairós ) os espaços dos saberes e a aprendizagem colaborativa .