

Por Marília Costa Dias, diretora da Escola da Vila Granja Viana
Toda discussão a respeito da última etapa da escolaridade básica requer a definição de parâmetros para balizar à qual educação estamos nos referindo, pois os discursos educacionais estão todos muito parecidos, o que dificulta discernir entre uma e outra escola.
Em quase todos as narrativas que versam sobre este nível de ensino, tanto nos documentos normativos, como na documentação pedagógica das escolas e nos discursos de educadores, estão presentes ideias afins.
Por exemplo, há consenso de que é nesta etapa que se consolidam aprendizagens que foram construídas ao longo das etapas anteriores, por meio de uma abordagem mais aprofundada e ampla. Também não há discordância em relação ao fato de que o Ensino Médio é uma etapa que prepara os alunos para serem aprovados no vestibular, que visa à construção de projetos pessoais tendo em vista a formação profissional e o desenvolvimento de competências para o mercado de trabalho e para os desafios da contemporaneidade. É bastante comum a ênfase na formação cidadã e no desenvolvimento pessoal dos alunos.
Essa homogeneidade nas construções discursivas se deve ao status de discursos validados pelos documentos normativos nacionais e internacionais. As escolas, de modo geral, assumem essas formas discursivas porque ocorre uma apropriação social de discursos tidos como verdadeiros, e por isso passam a ser institucionalizados, de tal modo que no sistema educacional esses compõem o discurso oficial.
Então o que diferencia os discursos das escolas? O que define verdadeiramente a formação que será oferecida aos jovens que hoje frequentam as escolas?
O processo de apropriação dos discursos não é linear, consensual ou uniforme, mas sim um processo dinâmico, no qual interagem muitos significados, que dão origem a uma diversidade de práticas. Esse amplo leque de possibilidades que o próprio discurso permite, explica as diferenças que se explicitam nos diferentes projetos pedagógicos e educativos das escolas.
Existem escolas que entendem esta etapa da escolaridade como um meio para se chegar à universidade ou à vida profissional, e assim todas as decisões a respeito dos conteúdos a serem ensinados e as escolhas didático-pedagógicas têm como referência principal as exigências em relação ao vestibular e ao futuro profissional do aluno; ou ainda a profissionalização no próprio Ensino Médio, por meio de cursos técnicos. Os significados associados a essa concepção giram em torno da ideia de formar pessoas competitivas para o mercado de trabalho. Quando o foco é a preparação para o acesso ao ensino superior, as escolas têm no horizonte o futuro profissional dos alunos. E no caso dos cursos profissionalizantes, o horizonte é a formação técnica.
Existem também escolas que entendem o Ensino Médio como uma etapa da escolaridade em que ocorrem aprendizagens altamente relevantes para o desenvolvimento humano, em todas as suas dimensões. Nesta perspectiva, o foco de todas as decisões está na formação de pessoas com conhecimento relevante para atribuir sentido ao mundo em que vivem e transformá-lo na medida do possível. Assim como formar pessoas que dominam as ferramentas necessárias para continuar aprendendo ao longo da vida, o que inclui a formação universitária. São escolas que também valorizam a formação pessoal, no sentido de desenvolver sensibilidade para colocar-se no lugar dos outros e construir formas de convivência pautadas no respeito mútuo e no diálogo. Os significados associados a essa concepção são significativamente diferentes, pois miram o presente do jovem, para que no futuro, possam fazer escolhas qualificadas, obtenham êxito naquilo que se propuserem a fazer e sejam capazes de tomar decisões responsáveis e éticas na construção de seus projetos de vida.
Ocorre que muitas escolas, que têm como referência o desenvolvimento humano, são questionadas como se não preparassem suficientemente bem os alunos para o vestibular. Possivelmente, a raiz dessa preocupação se deve à cultura, construída ao longo dos tempos, de que esta etapa é meio para ingressar no mercado de trabalho, por meio de cursos técnicos ou pelo ensino superior.
E essa ideia, de que é um meio para se chegar a outra etapa da escolaridade, esvaziou o sentido do ensino médio como um segmento que tem finalidades em termos de desenvolvimento humano, e assume um papel na formação dos nossos jovens, que vai muito além da preparação profissional. Ser jovem na contemporaneidade é muito mais difícil do que foi para as gerações anteriores, pois a crescente complexidade do mundo coloca desafios cada vez mais complicados para esta fase da vida. Portanto, a escola não pode apenas ensinar, mas precisa educar para a vida, não apenas para a vida futura, mas para a vida presente. Educar para viver a juventude de forma positiva, construtiva. Essa é a base para enfrentar os desafios da adolescência, do vestibular e da vida adulta.
Desde 2009, o Ensino Médio passou a ser obrigatório para todo brasileiro até 17 anos, portanto, para esta faixa etária, é um direito e um dever da família e do Estado, no sentido de que não deve ser negligenciado, por se tratar de um período importante em termos de desenvolvimento humano e última etapa da educação básica obrigatória.
Como educadores, escolas e famílias precisam refletir sobre esses significados que permeiam o discurso educacional, para fazer escolhas que correspondam ao seu desejo de sociedade, entendendo que educação é investimento em um projeto de futuro?
Recentemente, em agosto deste ano, as escolas do Grupo Critique se reuniram para trocar experiências e discutir os desafios atuais em relação à reforma do Ensino Médio, proposta pelo Ministério da Educação.
As quatro escolas presentes, Escola da Vila, Escola Viva, Escola Mangabeiras e Escola Parque apresentaram suas propostas pedagógicas, que são diferentes na forma de operacionalizar as diretrizes nacionais para esta etapa da escolaridade. Porém, são profundamente alinhadas no compromisso com o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões, numa perspectiva interacionista, na qual as capacidades humanas são resultado, não apenas de habilidades pessoais, mas também de ambientes que promovam experiências férteis e oportunidades reais de desenvolvimento. Estas são escolas que assumem o desafio de formar jovens competentes para enfrentar os processos seletivos de ingresso no ensino superior, assim como estudantes capazes de buscar e produzir conhecimento relevante vida a fora, e pessoas com lastro em termos de conhecimento, valores e habilidades para conviver e viver de forma responsável e ética.
Imagem de David Mark por Pixabay