

Por Susane Lancman, coordenadora pedagógica do Ensino Médio da Escola da Vila
Diretores, professores e coordenadores das escolas do Grupo Critique (Escola da Vila, Escola Viva, Escola Mangabeiras e Escola Parque) reunidos para compartilhar e repensar a prática pedagógica: essa era a ideia do Seminário sobre Ensino Médio. Afinal, a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) do EM foi homologada e é mais uma oportunidade para continuar a refletir sobre a construção de uma escola cada vez com mais SENTIDO para os alunos.
Sabemos que qualquer processo de mudança é extremamente complexo. No que se refere ao campo da educação, as mudanças exigem muita análise da prática, muito estudo teórico, muita precisão e pouco modismo. Assim, a possibilidade de interagir com escolas com projetos pedagógicos semelhantes contribuiu muito para aprofundar ideias, trocar repertório, aprimorar a precisão destas transformações. Parafraseando Fernando Pessoa, “Educar é preciso , viver não é preciso”. Na verdade buscamos a precisão na educação com apoio da teoria e reflexão sobre a prática, mas sabemos que é uma busca incessante pelos multifatores que interferem no processo de ensino e aprendizagem.
Durante dois dias intensos de trabalho, cada escola apresentou seu projeto e ações pedagógicas, bem como suas ideias de reforma do segmento em um clima de respeito pelas diferentes histórias das escolas, com escuta atenta e perguntas instigantes. A Escola da Vila iniciou a apresentação contando sobre as SADs (Semanas de Atividades diversificadas), em função de ter sido uma das fontes de inspiração para repensar o Ensino Médio. Afinal, as mudanças precisam considerar a cultura, valores e história institucional, e a SAD “é coisa nossa”.
Nas semanas de feriados e nas semanas entre os trimestres, ocorre um inevitável descompasso entre as sequências de aulas para cada turma de um mesmo ano letivo. Há alguns anos, aproveitamos essas semanas para desenvolver uma programação especial, a qual foi apelidada de SAD. Ela é composta por atividades diversificadas, as quais implicam na organização de tempos diferentes dos habituais, agrupamentos interclasses e interséries, presença de convidados, coordenação de atividades pelos próprios alunos, espaços de trabalho alternativos, como visita a espaços públicos importantes. Enfim, a SAD “desengessa” as variáveis didáticas: tempo, espaço e interação.
Chico Buarque glamourizou o cotidiano cantando “Todo dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã”, mas sabemos que é preciso quebrar a rotina nem que seja variando entre o gosto de hortelã, café, feijão, paixão e pavor. E na escola? Como quebrar os tempos tão herméticos? Como variar os espaços que quase sempre se concentram em sala de aula com carteiras de frente para lousa? Como organizar os alunos de modo que não interajam por 200 dias letivos com um só agrupamento?
Respondemos essas perguntas tendo a SAD como fonte de inspiração e pautando-nos na forma que a BNCC propõe de organização curricular, 60% de formação básica e 40% de itinerário formativo, tendo flexibilidade curricular, articulação entre teoria e prática, envolvimento com questões econômicas e sociais, protagonismo juvenil e interdisciplinaridade entre conceitos de áreas de conhecimento como princípios.
A formação básica abarca competências e habilidades específicas para cada uma das 4 áreas de conhecimento:
- Linguagens e suas Tecnologias
- Matemática e suas Tecnologias
- Ciências da Natureza e suas Tecnologias
- Ciências Humanas e Sociais Aplicadas
Esta formação deve estar articulada aos itinerários formativos que, para nós, serão organizados em torno de enfoques temáticos com estreita relação com grandes questões contemporâneas, de modo que permitam produzir conhecimentos e intervir na realidade por meio de projetos. Esta nova organização não exclui, necessariamente, as disciplinas com seus saberes próprios, mas implica no fortalecimento das relações entre elas.
A reorganização do currículo em formação básica e itinerários formativos exige muita acuidade no estabelecimento de critérios de análise a fim de que possa ser feita a classificação. Assim, é preciso considerar o currículo já existente em cada instituição e o que é determinado pela Base, apesar de não estabelecer com exatidão o que deve constar em cada uma das partes. Além disso, é preciso considerar o objetivo do Ensino Médio descrito na BNCC, “consolidar, aprofundar e ampliar a formação integral a fim de que os estudantes possam construir e realizar seus projetos de vida, em consonância com os princípios da justiça, da ética e da cidadania” (página 473 BNCC), bem como as intenções educativas e pedagógicas de cada estabelecimento de ensino.
Feita a classificação do que deve constar na formação básica, é preciso organizar os itinerários. Desta forma estruturamos os itinerários em 2 percursos por trimestre, cada um composto por blocos conceituais que serão estudados pelas diferentes áreas de conhecimento. Um exemplo é o bloco conceitual “Rupturas e Continuidades” que tem como possibilidades de questões norteadoras: Qual a relação entre progresso, superação e evolução? Quais os alcances e limites da noção de superação da produção humana? Cada área de conhecimento com pelos menos duas disciplinas relacionou o bloco conceitual com uma temática:
- Linguagens e suas Tecnologias: Modernismo em SP: ecos da Semana 22
- Matemática e suas Tecnologias: Elementos de Euclides: Desenho geométrico
- Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Consumo e ambiente
- Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: Alteridade e Arte
É importante revelar que o processo de criação de cada itinerário ainda está em curso, portanto, os títulos das temáticas são provisórios. E vale assinalar que este processo de construção envolve toda a equipe do Ensino Médio, entretanto a participação é diferenciada em função da experiência profissional e do cargo. A participação de todos nesta empreitada foi e é um grande desafio e motivo de muito orgulho.
Do ponto de vista do aluno, esta nova proposta terá 3 classes diferentes a cada trimestre: uma para formação básica, outra do Percurso 1 composta por 4 aulas e outra do Percurso 2 composta por mais 4 aulas. Portanto o aluno terá oportunidade de fazer escolhas de acordo com seus interesses e interagir com diferentes grupos-classes. O tempo das aulas também varia de 1h a 1h25, o que impacta no planejamento das aulas e na atividades dos alunos. E os espaços para as aulas dos percursos variará de acordo com a área escolhida, em salas-ambientes.
Podemos afirmar que grande parte das mudanças se deu pelas nossas próprias demandas internas, do nosso desejo de construir uma escola com cada vez mais sentido para os alunos e a proposta da BNCC nos estimulou/encorajou nesta empreitada. Afinal, sabemos que o Ensino Médio é o segmento em que há os maiores desafios para construir uma escola com sentido em função do excesso de conteúdos e características da faixa etária. Temos muito prazer em anunciar: o ensino médio da vila vai mudar, conservando seus valores e a qualidade do trabalho.
Profundo agradecimento a todos que participaram, diretamente ou indiretamente deste processo.