

Por Francisco Ferreira, diretor pedagógico da Escola Viva
O ensino de inglês tem, tradicionalmente, tido como foco o desenvolvimento das habilidades de comunicação. Embora existam interpretações variadas acerca do que significa competência comunicativa e de como o currículo deve ser estruturado para que os alunos desenvolvam essa competência, há um relativo consenso de que um dos objetivos fundamentais do ensino de inglês é capacitar os alunos para se comunicarem de forma eficaz com pessoas de várias partes do mundo.
Entretanto, no Seminário do Critique sobre idiomas, realizado recentemente em São Paulo, outra dimensão do ensino de inglês foi abordada e é essa dimensão que gostaríamos de aprofundar aqui, por nos parecer que ela desempenha um papel muito relevante no processo de formação dos alunos.
De acordo com Mikhail Bakhtin*, filósofo e pensador russo, não é possível separar a língua de seu conteúdo ideológico ou vivencial: “Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial”. Portanto, os sentidos que atribuímos às coisas são social e historicamente construídos, ou seja, o significado de uma palavra está estabelecido antes de ser utilizado em um determinado processo de interação entre duas pessoas. É claro que esse significado pode ser alterado ao longo do tempo, mas essa alteração é sempre resultado de uma construção social, que vai definir o que predomina como compreensão a respeito de uma palavra ou expressão.
Neste sentido, aprender uma língua envolve apreender o mundo de uma determinada forma. Como a língua inglesa se transformou na língua global de comunicação, cada usuário se apropria dela a partir de seu referencial cultural, ou seja, faz uso de um conjunto de crenças e valores para expressar suas ideias e seus pontos de vista a respeito de uma multiplicidade de assuntos.
No momento em que nos comunicamos com um falante de inglês proveniente de outro universo cultural, não são apenas palavras que estão em jogo; estamos efetivamente nos defrontando com outras formas de pensar e agir. E, como consequência, para que a comunicação seja efetiva, precisamos aprender a lidar com a diferença: colocar-se no lugar do outro, aprender com o inesperado e o imprevisível, ampliar as suas referências e criar outros contornos para a sua identidade.
Esta não é uma tarefa simples. Precisamos fazer um esforço significativo para compreender que podemos, de fato, aprender com a experiência do outro, com a cultura do outro, nos transformarmos nesse processo e produzirmos uma aproximação de perspectivas que construa pontes (e não intolerância).
Neste contexto, o que significa aprender inglês? Em primeiro lugar, significa pensar que crianças e jovens estão construindo um recurso de expressão adicional: sobre eles mesmos, suas experiências, ideias e sentimentos; sobre questões complexas que atravessam a nossa sociedade; sobre as imagens e representações que têm das pessoas e culturas com as quais se conectam.
O inglês passa a ser entendido como a língua da qual o aluno se apropriou para interagir com o mundo. Isso significa organizar nosso pensamento a partir de outras referências e sensibilizar-se com questões que, ainda que às vezes distantes do nosso cotidiano, nos ajudam a olhar para ele de outro jeito. E nos ajudam a olhar para nós mesmos através de outras lentes. Por exemplo, ao nos comunicarmos com alguém em países onde há problemas sérios de acesso à educação formal, podemos entender o significado que isso tem para as pessoas desses lugares e refletir sobre o que seria se essa mesma situação tivesse uma dimensão semelhante em nosso país.
Nesta perspectiva, a aprendizagem do inglês está associada ao desenvolvimento de uma atitude intercultural: a capacidade de refletirmos sobre os nossos próprios valores ou crenças por meio do confronto ou interação com outras formas de compreender o mundo e as possibilidades de transformação geradas por esse encontro com a diferença.
*Mikhail Bakhtin foi um filósofo e pensador russo, teórico da cultura europeia e das artes. Foi um verdadeiro pesquisador da linguagem humana, e seus escritos em uma variedade de assuntos inspiraram trabalhos de estudiosos em um número de diferentes tradições (o marxismo, a semiótica, estruturalismo, a crítica religiosa) e em disciplinas tão diversas como a crítica literária, história, filosofia, antropologia e psicologia. (Wikipédia)