

Por Livia Bonates, diretora do Let’s Go Kids e Coordenadora Pedagógica do projeto de imersão do Centro Educacional Viva
Luiza tem 7 anos. Ela chega à escola todos os dias pontualmente às 10h30. Na porta da sua sala, se despede da avó “Tchau, vovó!” e cumprimenta a professora de Inglês “Hello, teacher! Good morning.”. Durante as atividades propostas no horário da imersão, a menina se comunica em Inglês utilizando as palavras e estruturas que já conhece no novo idioma. Por vezes, mistura Português e Inglês em sua fala espontânea. Ela se comunica.
Na hora do almoço, Luiza se mostra segura o suficiente para utilizar o idioma (“Pass me the salt, please?”; “Teacher, I want beans.”; “I have finished!”) naturalmente.
Assim como Luiza, crianças de outras idades transitam entre o Português e o Inglês sem que percebam e interagem através dos dois idiomas, dependendo do ambiente em que estão imersos a cada momento do dia. Quem acompanha o dia a dia na escola percebe que o Inglês está presente em todos os momentos.
Uma das imagens que nos vem à cabeça quando pensamos em imersão é a de um peixe dentro de um aquário. Este simbolismo nos remete à importância de se criar um ambiente favorável à aquisição do idioma, um espaço onde o Inglês não seja um elemento externo, mas apareça naturalmente nas atividades e na rotina de cada grupo, em cada um dos segmentos.
Parece simples, mas, na prática, algumas questões estão presentes em nosso dia a dia: Como fazer esse processo acontecer? Como tornar o Inglês verdadeiramente natural para os alunos? Algumas estratégias já vêm sendo utilizadas no sentido de ampliar as possibilidades de abordagem. O CLIL (Content Language Integrated Learning – Aprendizagem Integrada Conteúdo/Idioma) é um exemplo disso, uma vez que propõe colocar no radar dos professores de Inglês o desenvolvimento de competências transversais como colaboração, criatividade, pensamento crítico, e assim por diante. Através destes processos interativos de construção de conhecimento, CLIL é um candidato natural na promoção da aprendizagem aprofundada. Outra estratégia que tem sido bastante utilizada são as atividades Makers ou Hands-on (Mão na Massa). A cultura maker favorece a aprendizagem por experimentação, ou seja, ao vivenciá-la pelas metodologias ativas, o aluno sai da passividade e é colocado no centro do processo de aprendizagem.
Mas, voltemos à imersão…
São três os eixos fundamentais do trabalho de imersão: a relevância do vínculo afetivo entre o professor e as crianças; a certeza de que as etapas de aquisição da língua acessória são as mesmas da língua materna e a necessidade de tornar o novo idioma familiar às crianças de forma lúdica e orgânica.
O primeiro eixo estrutural passa pelo afeto. O professor de Inglês assume o papel de ‘monitor ótimo’ (Krashen, 1987) na medida em que será ele o elemento de referência deste novo código para as crianças. A afetividade tem papel fundamental nesse processo, pois está diretamente ligada ao seu sucesso. Para atingir seus objetivos, o professor deve ter clareza de que as emoções e os sentimentos podem variar de intensidade, em função dos contextos, mas estão presentes em todos os momentos da vida, influenciando em nossas atividades. Ao pensar o planejamento para desenvolver um determinado projeto, diversos saberes são revelados; esses saberes são construídos no tempo, na socialização familiar, escolar, profissional e numa integração cognitiva-afetiva (conhecimentos, concepções, crenças, valores).
O segundo eixo do trabalho que precisa ser levado em consideração diz respeito às etapas de aquisição da linguagem. Sabemos que, desde muito pequenas, as crianças estabelecem comunicação, sem que tenham desenvolvido a oralidade. Desde cedo já existe a comunicação, mas esta não é feita por meio oral. Somente aos poucos elas começam a atribuir um sentido ao que escutam. Do mesmo modo, acontece com a produção da linguagem falada. O entendimento e a produção da linguagem falada evoluem de acordo com os estímulos e, principalmente, com a exposição da criança ao idioma. Desta forma, para promover a aquisição natural da língua inglesa, é fundamental respeitar as mesmas etapas pelas quais a criança passa ao adquirir a língua materna: ouvir, falar, ler e escrever.
O terceiro e não menos importante eixo nos remete à importância de tornar a língua familiar às crianças, fazendo com que a aquisição se dê de uma maneira lúdica e orgânica, a despeito da faixa etária. Todas as atividades são pensadas com o objetivo de deixá-las à vontade com o uso fluente do idioma, sem lhes causar insegurança ou incômodo. Isso acontece porque o Inglês é utilizado como um instrumento de vínculo com as histórias, os jogos, as propostas de artes, entre outras. Por isso, na Viva, costumamos dizer que nossas crianças não têm aulas de Inglês, mas participam de atividades em Inglês.
O que mudou nas últimas décadas?
O ensino de língua inglesa nas escolas passou por muitas reestruturações ao longo das últimas décadas e, sem dúvida, está sempre em pauta nas instituições. Pensar e repensar o fazer pedagógico são ações constantes entre professores e gestores escolares. Estamos sempre envolvidos neste movimento que nos faz observar nossas práticas, avaliar os processos utilizados e projetar mudanças que contribuam para o desenvolvimento da escola e de todos os seus partícipes: famílias, alunos, equipe, colaboradores, gestores. E não é por acaso que o Inglês na escola demanda cada vez mais espaço em nossas reflexões. Vivemos tempos em que as crianças, desde muito cedo, têm contato com celulares e tablets e, através destes aparelhos, elas são automática e involuntariamente expostas à língua inglesa.
Segundo Antonieta Heyden Megale, “Na era de mundialização da comunicação, globalização da economia e planetarização das relações internacionais, os brasileiros, de forma geral, demonstram um interesse cada vez maior em aprender línguas estrangeiras de prestígio, principalmente, o inglês, devido, não só ao fato de que essa língua exerce o papel de comunicação mundial por excelência, mas, também, pela representação que circula comumente no imaginário nacional de que a língua inglesa proporcionaria maiores possibilidades de ascensão social.” (RAJAGOPALAN, 2009).
Escolas que não acompanharem as mudanças do mercado, terão muita dificuldade em se manter ativas, uma vez que aprender a falar inglês há muito tempo deixou de ser considerada uma atividade extra pelos pais. Hoje, a grande maioria das escolas oferece Inglês desde a Educação Infantil, apesar de a legislação brasileira determinar que a “disciplina” só é obrigatória a partir de 6º ano (Ensino Fundamental 2).
A nova BNCC (Base Nacional Curricular Comum), aprovada e homologada em dezembro de 2017 pelo Ministério da Educação, deixa claro que o conceito mudou de: língua estrangeira, para língua franca – essa é uma mudança de conceito importante para o ensino do Inglês. O que isso significa? Língua franca é a língua de várias pessoas, que falam idiomas diferentes, adotam para se comunicarem entre si. Nesse sentido, a BNCC legitima o Inglês, não só como a língua falada em países como nos Estados Unidos ou na Inglaterra, mas como uma oportunidade de acesso ao mundo globalizado. Com esse conhecimento, todos os jovens e crianças podem exercer a cidadania e ampliar suas possibilidades de interação nos mais diversos contextos.
E, se tratando de língua franca, o Inglês deixa de ser apenas dos falantes nativos (onde é ensinada como língua materna), e passa a ser uma língua que varia, com diferentes contextos, que dependem do lugar onde é falada. Esse fator favorece o ensino da língua inglesa com maior interculturalidade. “Nessa proposta, a língua inglesa não é mais aquela do ‘estrangeiro’, oriundo de países hegemônicos, cujos falantes servem de modelo a ser seguido, nem tampouco trata-se de uma variante da língua inglesa. Nessa perspectiva, são acolhidos e legitimados os usos que dela fazem falantes espalhados no mundo inteiro, com diferentes repertórios linguísticos e culturais, o que possibilita, por exemplo, questionar a visão de que o único inglês ‘correto – e a ser ensinado – é aquele falado por estadunidenses ou britânicos.” (trecho de texto da Base Nacional Comum Curricular).
Enquanto os antigos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) priorizavam quatro eixos de conteúdo (conhecimento de mundo, conhecimento sistêmico, tipos de texto e atitudes) de forma compartimentalizada e nada funcional, a nova BNCC propõe como pilares principais oralidade, leitura, escrita, conhecimentos linguísticos e dimensão intercultural. De acordo com o documento, o ensino de Inglês deve colaborar para desenvolver competências que vão além de ler, interpretar e resolver problemas. Assim, o eixo da oralidade é bastante ampliado e envolve as práticas de linguagem com foco na compreensão (escuta) e na produção oral (fala), com ou sem contato face a face. No eixo Leitura e Escrita são abordadas práticas de linguagem decorrentes da interação do leitor com o texto escrito e as práticas de produção de textos, respectivamente.
Mas, e a escola? Como deve lidar com um mercado onde o Inglês passou a ser determinante na hora da matrícula? O que querem as famílias do século XXI em relação ao ensino de idiomas? Estas e outras perguntas vêm intrigando professores, coordenadores e gestores que buscam uma forma de suprir as expectativas das famílias, sim, mas em primeiro lugar querem atender bem suas crianças. Neste sentido, é muito importante ter clareza em relação aos pilares pedagógicos que norteiam a instituição para que, então, o trabalho com a língua inglesa ou outro idioma seja realmente integrado ao seu projeto. Dentro desta perspectiva e diante de tantas metodologias diferentes, o Centro Educacional Viva entende que o conceito de imersão é o que mais se aproxima da filosofia da escola por respeitar o universo infantil, numa metodologia que enfatiza a compreensão e a comunicação oral. Os alunos se desenvolvem através de um processo dinâmico de construção coletiva de conhecimento, utilizando a língua não como objeto de ensino em si mesmo, mas como mais um elemento fundamental na formação de um indivíduo global.
Por que começar cedo? Prerrogativas do nosso trabalho na Viva
Crianças que iniciam, bem cedo, o aprendizado de um segundo idioma apresentam maiores possibilidades de alcançar a fluência e pronúncia perfeitas, bem como o domínio completo de todos os recursos dessa língua. Isso acontece por diversos motivos. A neurocientista Sharon Begley (1996) fez alguns testes com crianças com menos de um ano e concluiu que as que entendiam outra língua tiveram um resultado superior àquelas que compreendiam apenas uma. Neste estudo, a doutora chega à conclusão de que indivíduos que aprendem uma segunda língua mais cedo têm vantagens sobre os monolíngues, não só no que se refere à linguagem. Pessoas que sabem falar mais de um idioma, especialmente crianças, conseguem “deslocar” facilmente a atenção entre dois sistemas de fala e escrita. Um estudo da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, sugeriu que essa habilidade ajuda a desenvolvermos a capacidade de conciliar várias tarefas ao mesmo tempo, já que o cérebro passa pelo exercício de revezar entre diferentes estruturas linguísticas. Além disso, há estudos que demonstram que os riscos de desenvolver Alzheimer ou Demência são menores entre adultos que falam duas ou mais línguas. Há benefícios também comprovados em relação à memória e capacidade de tomar decisões. Publicado pelo periódico Psychological Science, um estudo da Universidade de Chicago sugere que o processo de raciocinar em outro idioma ajuda a diminuir inconsistências cognitivas e melhora o processo de tomada de decisão: ao usar seu idioma estrangeiro, as decisões passam a ser mais sistemáticas e menos baseadas em fatores negativos, processo mental que seria comum ao usar a língua nativa.
O desenvolvimento do nosso aparelho fonador também é um fator importante para que a aquisição da língua inglesa ocorra desde bem cedo. Todos os sons que produzimos em nossa língua – ou qualquer outra – precisam do nosso aparelho fonador (língua, lábios, laringe, traqueia, etc.). Todo este aparelho é controlado por músculos. Quando crianças (bebês), o aparelho fonador (consequentemente, os músculos e nervos que movem tudo isso) está em fase de desenvolvimento. Portanto, a capacidade de se adaptar, aprender, acostumar-se aos movimentos necessários para reproduzir os sons é muito mais fácil. Mas, durante a fase da puberdade, ocorre um certo enrijecimento dos músculos. Consequentemente, torna-se cada vez mais difícil reproduzir determinados sons que uma segunda língua tem.
Há uma série de vantagens em se iniciar a aquisição de um outro idioma ainda na infância, mas é importante ressaltar que para que o falante realmente desfrute de tais benefícios deste processo deve ser conduzido de forma lúdica, sempre pensando a aquisição com significado para as crianças, explorando o ambiente em todas as suas possibilidades e promovendo constantemente situações de vivência na língua.
Formação de professores: um grande desafio
Por fim, vale ressaltar que uma das maiores dificuldades das escolas, senão a maior, é em relação aos professores. A formação de professores disponível no Brasil, seja em Licenciatura ou Pedagogia, definitivamente não os prepara para o dia a dia em sala de aula. Cada instituição acaba se vendo obrigada a re-formar seus professores, para que desenvolvam estratégias e práticas que efetivamente contribuam com o projeto pedagógico da escola. Esta é uma questão crucial no que tange o ensino de língua inglesa e outros idiomas, pois os chamados TTCs (Teacher Training Courses – Cursos de Treinamento de Professores) são estruturados para professores trabalharem em cursos de idioma, não no ambiente de uma escola. Sem dúvida, é preciso buscar alternativas para suprir essa lacuna ou as escolas terão cada vez mais dificuldade em encontrar profissionais preparados para as demandas do mercado. A boa notícia é que muitos profissionais da área já identificaram esse gap e têm trabalhado em formações específicas que agregam muito ao currículo dos professores.
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Gostei muito da abordagem e da proposta!