

Por Francisco Ferreira, diretor pedagógico da Escola Viva
De repente, sem aviso e planejamento prévios, nos vimos diante da situação de transformar
contextos de educação presencial em ensino remoto. Não que o ensino à distância fosse
desconhecido da maioria das escolas, mas claramente ocupava um lugar periférico. Nesse
movimento de levá-lo da periferia para o centro, fomos forçados a desenvolver, em pleno
trânsito e sem direito a paradas para recuperar o fôlego, um conjunto de novas competências
e habilidades. Avançamos, sem dúvida, mas precisamos reconhecer que ainda há muito para
se aprender nesse campo.
Entretanto, esta mesma situação colocou em foco questões muito básicas nas nossas práticas
pedagógicas que talvez assumíssemos como totalmente instaladas. A realidade deste cotidiano
remoto tem mostrado que não e, mais do que isso, criou uma oportunidade de retomar essas
questões básicas tão relevantes para a construção de sentido e de apropriação do percurso de
aprendizagem por parte dos alunos.
Nesta perspectiva, quero abordar aqui, especificamente, três aspectos: o papel da mediação
do professor, o desenvolvimento de estratégias de aprendizagem e a avaliação formativa.
Mediação
O trabalho à distância faz com que a interação professor/aluno adquira outra natureza. Se o
professor está presencialmente na sala de aula, há uma proximidade e uma linguagem
corporal que facilitam o processo de comunicação. O ensino remoto, por mais que possa valer-
se de aulas em tempo real (videoconferências), gera um tipo de interação que exige um olhar
específico em relação à forma como o conhecimento vai sendo construído. Muda o tempo de
concentração dos participantes e, por isso, há uma tendência maior à dispersão, bem como
uma dificuldade de participação decorrente da necessidade dos alunos se situarem em um
contexto de comunicação diferente do presencial: protocolos para turnos de fala, recurso de
digitação (chat), uso de câmera e microfone, fóruns de discussão ou de resolução de dúvidas
(assíncronos).
Do ponto de vista didático, isto implica reforçar um princípio básico da mediação: entender
qual é o conhecimento prévio do aluno e fazer a ponte entre esse conhecimento e os novos
conteúdos, de forma que a aprendizagem seja significativa e o nível de desafio seja adequado.
Além disso, precisamos avaliar o grau de autonomia do aluno, pois isso determina o grau de
supervisão e orientação necessárias neste contexto. Dentro deste aspecto, é essencial revisitar
a questão das instruções, que precisam ser pensadas na perspectiva de quem recebe um
material sem nem sempre poder acessar o professor, assim como planejar sequências
didáticas que tenham momentos regulares de verificação de compreensão.
Estratégias de aprendizagem
A construção da autonomia dos alunos passa pelo desenvolvimento de suas estratégias de
aprendizagem, ou seja, recursos utilizados por eles para lidar de forma efetiva com as
situações-problema que se apresentam no seu percurso formativo.
De acordo com O’Malley e Chamot (1990), podemos definir três tipos de estratégias de
aprendizagem:
- Cognitivas: as que têm como objetivo lidar com a aprendizagem de diversos tipos de
conteúdo (por exemplo, classificar, ordenar, inferir, relacionar, transferir); - Metacognitivas: as que estão relacionadas à reflexão que o aluno faz sobre seu
processo de aprendizagem (grau de conhecimento sobre o que funciona de forma
mais efetiva para ele) e como atua para torná-lo mais efetivo (procedimentos de
planejamento, monitoramento e regulação) (Boruchovitch, 2004); - Socioafetivas: as que estão relacionadas à interação com outras pessoas no processo
de aprendizagem e às atitudes do aluno nesse processo (por exemplo, cooperar,
respeitar turnos de fala e combinados, entender a perspectiva ou a situação do outro).
As estratégias de aprendizagem precisam ser objeto do processo de ensino, ou seja, as
atividades propostas pelos professores precisam incluir momentos específicos em que elas são
trabalhadas. Por exemplo, não basta inserir em uma instrução que o aluno classifique um
determinado universo de palavras em diferentes categorias. Ele precisa aprender o que
significa classificar, como se classifica, que critérios podem ser utilizados. Também não
podemos esperar que os alunos aprendam espontaneamente a fazer a regulação do seu
aprendizado. As tarefas propostas necessitam contemplar indicações claras para que o aluno
desenvolva esse repertório: por exemplo, solicitar que ele releia um trecho de um texto para
corrigir uma resposta de compreensão ou refaça um exercício matemático para entender onde
e por que cometeu um erro.
Avaliação formativa
Tradicionalmente, a avaliação tem um foco classificatório, ou seja, emite um julgamento a
respeito do aproveitamento dos alunos em um determinado período letivo. Embora esteja
subjacente a esta ideia que o objetivo seria estabelecer em que medida os alunos atingiram
determinados objetivos de aprendizagem, na maioria dos casos, é difícil estabelecer uma
relação entre o resultado do instrumento utilizado (em muitos casos, a nota de uma prova ou
de uma atividade avaliativa formal) e o que isso revela a respeito do grau de apropriação do
aluno em relação àqueles objetivos de aprendizagem.
A avaliação formativa situa-se em uma perspectiva muito diferente. De acordo com
Perrenoud, ela tem como objetivo ajudar “o aluno a aprender e o professor a ensinar” (1999).
Neste sentido, a avaliação não é algo destacado do processo de ensino e aprendizagem, mas é
parte integrante desse processo: busca levantar informações qualificadas que possam ajudar o
professor a fazer ajustes nas suas propostas de trabalho e o aluno a maximizar o seu potencial
de aprendizagem.
Em um contexto onde se tornou difícil fazer avaliações individuais de natureza classificatória
(uma vez que o julgamento da instituição escolar pode ser prejudicado ou alterado pelo uso de
recursos de consulta por parte do aluno), temos uma oportunidade de favorecer a
compreensão e a instalação de processos avaliativos que tenham como principal objetivo
analisar os percursos formativos dos alunos e fazer ajustes nas estratégias didáticas que
promovam o desenvolvimento dos recursos cognitivos necessários para que os alunos deem
conta dos desafios de aprendizagem.
O momento que vivemos tem essa vantagem de nos permitir revisitar e renovar práticas
fundamentais na construção de aprendizagens significativas e eficazes. Não podemos deixar de
aproveitar esta grande oportunidade.
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Este texto descreveu com precisão como tem sido a minha experiência como educadora, os desafios, aflições e aprendizados. Fez muito bem a leitura. Muito obrigada.